terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Ensaio sobre o raio que o parta.

Não se trata de pensamentos negativos. Não, é muito pior do que isso. O inferno, se existisse, seria a fábrica de maçãs do conhecimento, às quais teriam sido feitos tipos como eu, que seriam apenas como pequenos vermes que viveriam dentro dessas maçãs, feitos para testar a sua fé, no raio que o parta. O cocô pode se transformar em energia. Eu, não. As moscas têm lá sua importância nos mais diversos ecossistemas. Eu tenho uma importância parecida, uma vez que devo ser devorado, calmamente, em silêncio induzido. A alma, essa coisa brilhante, popularmente conhecida como "jeito", "impressão", entre outras analogias, é o sangue que carrega as pequenas camadas de gordura que dão sabor e vida ao banquete, notadamente uma festa, onde servem, em seus pratos ornamentais de estrondosa finura estética, uma pequena porção de guisado de minha pessoa. Talvez eu seja tão importante quanto as batatas (eu sei, você leu "baratas"). As pessoas gostam muito de batatas, mas não sentem tanta falta. Quando sentem, são vistas como "porcas". Quem dera, ora, as porcas, com toda a sua delicada coloração rósea, a calda atrevida, insinuante e meiga, tivessem algum apreço por batatas como eu. Sim, eu me transformaria em purê, diante de uma porca... As vacas? Não posso falar muito, pois eu sou uma. Sim, eu sou vaca, está comprovado. Procure no Google. Eu estou brincando, mas nem tanto. As pessoas precisam de uma razão para existir, e isso não tem tanto a ver com a existência plena, de toda a vida. Tem a ver, sim, com a "vida inteira", como a impressão primeira de cada dia. Uma vida inteira não seria, pois, a síntese das memórias registradas de todos os dias vividos? Eis um problema: talvez, o que chamamos de "vida inteira", seja algo restrito às limitações impostas à nossa memória, que não apenas é específica, relativa a cada indivíduo, mas também vigiada, moldada externamente, constantemente refém do ambiente, que raramente a reflete bruta, passível de transformações deliberadas de todo e qualquer significado que se queira ressaltar, ou abrandar, como se estivéssemos, o tempo todo, diante de um filme de nossas vidas que não conta exatamente o que cada pessoa acha importante contar, o que implica numa caótica troca de impressões, quase sempre equivocadas, de si e do outro, que evolui para outra troca de impressões ainda mais complexa, correlacionada com a primeira, que adapta o indivíduo à capacidade de interação em grupo, muitas vezes impondo, sem fazer alarde, uma visão extremamente distante da visão que o indivíduo aprendeu a ter de si, dia após dia, até o momento de se ver espelhado em grupo.  Assim, a timidez pode ser vista como arrogância, altivez, entre outros. A própria arrogância pode ganhar contornos positivos. Essas primeiras impressões errôneas, parecem apenas imaturas, mas na verdade são pequenas fagulhas que abrem portas para diversos preconceitos que, apesar de serem um tanto dúbios, são tão frequentes quanto quaisquer outros, como a ideia de que uma pessoa é feliz, ou triste, por exemplo, que é um tipo de julgamento primitivo de qualquer interação, à qual nem sempre estamos atentos, e que pode causar uma série de outros julgamentos e consequências desnecessárias, levando a exclusão social de um ou pouco mais indivíduos de um determinado grupo, o que, por sorte, nem sempre é muito mais do que uma exclusão temporária, na medida em que um mesmo grupo desenvolve diferentes conjunturas relativas às diferentes propostas de convivência que vão surgindo, gerando mais divisões, por ventura fazendo retornar ao grupo aquele, ou aquela, que teria sofrido a exclusão. Acredito que seja natural que grupos tenham fases de deformação, fragmentação, e, por fim, novas reformulações. No entanto, existem as divisões incautas, ou, mais especificamente, as que se baseiam na impressão equivocada, que podem gerar exclusões ainda mais pesadas para a pessoa que se sente excluída. Há, também, a possibilidade de que a própria pessoa que está se sentindo excluída seja, de fato, quem está alimentando uma impressão equivocada, e eu não tenho dúvida de que isso evolui exponencialmente, muito embora eu não queira explorar muito mais o assunto. O que sei, é que nesse complexo sistema de interações, muito sofrimento é ignorado, muito talento é deixado de lado, quando não apenas mal direcionado, e, o que mais me assusta, muita intolerância, é tolerada. E esse texto? Ora, pode ser apenas mais uma série de impressões errôneas do mundo e das pessoas. Sim, contraditório, paradoxal... Uau! Alguém dirá que sou "lúcido"? Alguém dirá que sou apenas um chato a exercer o seu direito de "chorume", etc e tal? Alguém dirá "bem assim", como se fosse bem assim, mesmo? Será que cada pessoa tem, no íntimo de seus pensamentos, um pleno conhecimento que confere um determinado grau de lucidez, que pode ser detectado em qualquer discurso? Se sim, me manda o livro em pdf ou links do youtube e tudo o mais? Quero muito entender. A confusão, a meu ver, tem sido uma maneira de demonstrar-se amistoso, ávido pela aproximação, gentilmente, calorosamente. Pode, no entanto, ser também a timidez, que parece arrogância, mais ou menos como o suco que parece de limão, é de groselha, e tem gosto de tamarindo.