terça-feira, 28 de agosto de 2012

A Desmemória

Buscava incessantemente, fugia em segredo. Se deixava levar somente pelas ideias que ditavam a distância. Guardava no fundo da mochila uma foto. Não gostava de olhar a foto, de lembrar da sua origem e suas decisões e maneiras de ser, pelo menos não muito. Culpava a todos do passado por sua covardia que carinhosamente chamava de "timidez". Se dizia "livre", não se sabe bem do que, ou quem, mas assim definia suas andanças. Aventuras tristes, felizes e cheias de detalhes memoráveis, cores e pessoas, abraços e guardanapos, lagoas e estradas, visões, revisões, ilusões… O "finalmente" era um voou no escuro para que não precisasse temer a si, temer o próprio medo, a vertigem, a vergonha da luz acesa, cheia de olhares internos e aparentemente pouco convidativos… Aquele desejo de voar intacto, inerte, guardado por nada, para ninguém.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Lentamente

As plantas dançam enquanto as percebemos num leve balançar, ligeiramente diferentes de ontem para um cuidadoso observador, mas em geral nos parecem imóveis. Pela mesma razão não percebemos também o movimento preciso do ponteiro que marca as horas, o que não nos limita já que um pequeno disparo da memória nos faz lembrar a posição anterior deste ponteiro. O lento movimento das plantas é preciso, cheio de causas e efeitos, de uma beleza quase indescritível. O tempo é esse artista que não nos deixa ver todos os detalhes, e que faz parecer mágica cada traço que desenha um ser vivo, tal como os passos, pequenas mudanças que deixam rastros, pegadas, diferenças entre um lugar e outro, o solo, as rochas, a análise da composição química que pode datar minuciosamente os mais ínfimos ponteiros, os que contam histórias de um passado tão distante que por vezes leva nossa imaginação a lugares incríveis, cheios de possibilidades, histórias que não puderam ser vistas nem contadas. A dança, como eu dizia, de passos lentos e precisos, de rara beleza e envolta de tantas minúcias, que nos desafia, ri de nossas primeiras impressões e antigas esperanças A dança é linda porque é lenta. A surpresa é notá-la de repente, fácil de ver e quase nos pedindo aplausos A dança de tantos relógios que sequer tentaram nos esconder seus passos.